quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

“Queridos Zamigus”

"Um fruto em formato de granada que é uma explosão de sabor amanteigado".


### por Bruce Leroy ### Eu...eu sou o único mestre!

Quem não tinha nada demais pra fazer de dez e meia às onze e meia da noite agora tem. Você, meu amigo, minha amiga, que chega do trabalho cansado querendo mandar seu parceiro ou sua parceira para casa do carvalho, com uma dor de cabeça de rachar, as costas tilintando depois de um dia inteiro sentado com a coluna torta diante do computador não pode mais reclamar. A Vênus Platinada, a TV Grobio, sempre tão generosa conosco, estreiou esta semana um programa bem legal "cheio de confusões do barulho com uma turminha muito louca" – e não se trata de um filme inédito na Sessão da Tarde. Chegamos ao ápice da moda oitentista dos infernos, que está tomando o show busines, comportamentos, roupas, o mercado de brinquedos, do cinema e festinhas. É nada mais nada menos do que a nova série brasileira "Queridos Amigos". Veja com todo gosto de olhos bem abertos e um copo de Quik na mão. E digo mais: muito melhor do que assistir ao Zorra Total, se você não tem duzentas pilas mensais para pagar a Sky.

Senta pega todos os vinis da Elis Regina, do Clube da Esquina, do Legião e outras peças de museu que lá vem a história.


Marcelo Camelo e Tom Hanks: 120% de sensibilidade no teleseriado.

O fofo do Tom Hanks (sim ele é fofo), teve um sonho ruim. Sonhou com a própria morte e com medinho resolveu reunir toda galera que fumava maconha, reclamava da Ditadura e promovia divertidas surubas no começo da década de 80. Ah, o sonho é legal: ele está num carro e, de repente, despenca de uma ponte muito alta, caindo no rio. Lá em baixo vê todos os seus miguxos dentro d'água acenando. Seria mais legal se a série terminasse aí. Mas a vida...a vida é uma caixinha de surpresas.

Quando acabou o primeiro capítulo, meu irmão e eu nos olhamos ternamente, como manda toda atmosfera da série, e nos espocamos de tanto rir. Chegamos a uma conclusão sobre "Queridozamigus", embalados pela nova atualização do famoso jogo The Sims para PS2, versão
"Náufrago". A série pode ser comparada à descrição de um “abacate” no game: "um fruto em formato de granada que é uma explosão de sabor amanteigado". Hum... você não gosta de jogos eletrônicos? Você não entendeu, né? Achou a frase sem sentido, meio rídicula, passível de avacalhação geral, irrestrita e gratuita? Pois é. A série é isso mesmo. Sem tirar nem por.

Lembra daquela novela em que o nosso Hanks tupiniquim metia a porrada na Helena Ranaldi ? Nem sinal daquele cara de tão bons modos. Agora ele é o Léo... um sujeito tão sensível que se alguém diz bom dia com mais força ele desaba no choro. As lágrimas do rapaz estão prestes a cair a qualquer momento. Ele é um emo perdido no tempo. Tão bonzinho, tão afetuoso. Como eram legais os caras do final da década de 80! Uma das frases marcantes do personagem no início da série: [modo Leão Lobo on] "Ai, eu tenho uma saudade absurda da gente!!! [modo Leão Lobo off].

Temos ainda a nossa grande atriz do "Retrato falhado", do Fantásdigo. Aquela moça que eu nunca lembro o nome e tem uma voz tão bonita quanto a cara. Sim, isso mermo, a Denise Praga. Ela é a adorável ex-militante-comunista-torturada-nos-porões-da-ditadura-que-virou-budista. Bia é legal. Está fodida, desempregada faz um tempão, com uma cara de velha da porra, o cabelo ruim e sustentada pela Fernanda Montenegro. Ainda assim abraça árvores e acredita que sua Lua vai entrar em Saturno, numa conjunção com Marte, associada a Plutão, na esquina com Júpiter, e assim tudo mudará, porque a década de 90 está quase começando e as coisas não podem piorar, afinal de contas. Não sei não, mas, se eu seguisse os ensinamentos de Buda ou estudasse Astrologia Hermética ia ficar muito puto com a Maria Adelaide Amaral. A autora da série criou uma personagem muito ZEN... zen graça, zen noção, zen senso de rídiculo nenhum. Frase marcante dela no primeiro capítulo: [modo Tonho da Lua on] "aaaaaaaaaaaaaaaaaai, a natureza tem vidaaaaaaa, Léééééo!" [modo Tonho da Lua off].


É sorte atores contarem com a ajuda de um monstro sagrado para ajudar a desenvolver seus personagens


Outro personagem legalzão é o mendigo do pânico, vulgo Pedro, interpretado pelo Bruno Garcia. Sim, o cara é fodão. Seus livros venderam no mundo todo e estavam no topo da lista dos mais vendidos da Veja 7.895 meses seguidos, mas sua amada mór-réu, aí degringolou tudo, rapaz. A vida do cara virou uma cagada. Ele "comeu" até o apartamento, bebeu que nem o Jeremias caba-homi e agora escreve umas matérias pra revista "SEXUS" (como os autores são criativos!), uma publicação destinada a adoradores de Onã, popularmente conhecidas como revista de mulher pelada. O cara está um trapo que só ele, todo mendigão, dá uma peeeena.

Próximo de Pedro tem o Ivan, feito pelo carinha que fez o Dráuzio Careca no Carandiru. Ele também foi um grande jornalista no passado, mas, também acabou fodido editando a revista Sexus, coitado. Os caras são amigões. Vou citar um negócio que eles conversaram pra vocês sentirem a profundidade da amizade. Lá vai:

Pedro: Mas, o que foi que aconteceu com a gente?

Ivan: (mais ou menos assim) Foi a vida que nos transformou nisso. As frustrações, as decepções, as TRAPALHADAS DOS PLANOS ECONÔMICOS DO PAÍS....

Se eu pergunto pra um amigo o motivo de ele ser um maldito miserável fracassado dos infernos e ele me dá uma resposta dessa, no mínimo, eu dou-lhe um hadouken no meio da cara, seguido de um shourihouken. Ah, que mané governo porra nenhuma, rapá!

No supracitado periódico (tô pegando o espírito da época com essas expressões), também trabalha o Tito, o Matheus Nastergailhe (foda-se pra grafia certa). Ele é um comunista que foi trocado pela mulher por um cara cheio da grana. O chifre caiu mal, daqueles que entra atravessado. A galha deve pesar porque até corcunda o cara ficou. Corno e comunista na década de 80. Hum...meio anacrônico esse negócio aí, mas tudo bem, estamos numa série da Globo.

Dentre os amigos, tem uma bicha... PAUSA para protestos dos politicamente corretos. Ok, ok. Tem um homem com orientação sexual homoafetiva na série - só para deixar a linguagem oitentista de lado e usar um termo apropriado ao nosso tempo. Tinha que ter uma bicha. Como poderia viver uma turma de amigos liberados, afetuosos, carinhosos, livres, unidos tal qual arroz empapado, sem um gay na década de 80? Nun-ca! Ja-mais!. Não pode, não pode, não pode! Nas fórmulas prontas de enredos da Globo, ele funciona como o vilão do tipo "bicha chique". Vai esculachar geral e, no final, provavelmente, vai descobrir que tem Aids, tudo dentro do contexto da época. Vide Cazuza, Lauro Corona e outros abatidos pela doença no período.


Rene Russo e Chris Martin, do Coldplay, que faz uma beeecha em "Queridos Amigos"

O elenco tem ainda Débora Bloch, Tarcísio "Meu pai era um bom ator e eu não" Filho, Maria Luiza "Buba" Mendonça, mas quem se importa? Vale mesmo só aquela gracinha que fez o Tropa de Elite, Fernanda Machado. Sim, meus queridozamigo, a série, como tudo na emissora, transforma uma época em um troço caricato, distorcido, exagerado, bem distante do que era. Fora que a passagem de tempo entre o vídeo gravado em 1982 pelos amigões e o tempo "atual" , de 1989, parece que durou mais do que sete anos. Está todo mundo acabado. Tão acabados que o nome da série poderia ser "Queridos mendigos".

Se eu acreditasse em autores globais, no final do primeiro capítulo, desligaria a televisão e daria graças a deus de ser apenas uma criança naquele ano retratado no programa, porque, segundo a Maria Adelaide Amaral, os adultos daquele tempo eram todos magoados, saudosos, atormentados, deprimidos, fodidos, rancorosos, raivosos, viados, fracassados, falidos, atacados, arrombados e tudo de ruim. Fora que os caras usavam aqueles moletons feito xale por cima da camisa, uma moda que, sinceramente, só vi na tevê.

Se você é daqueles que acreditam piamente que as séries são melhores do que as novelas, pode esquecer essa idéia. "Queridos Amigos" está no mesmo nível de diálogos constrangedores e situações inverossímeis. Mas, Isso tudo não incomoda nem um pouco, afinal é mais um programa pra sacanearmos sem piedade. O problema é que algumas pessoas, mesmo testemunhas vivas dos anos 80, vão acreditar que aquele tempo foi do jeitinho que a Globo está mostrando. Só espero que quando fizerem alguma coisa retratando os anos 70, não esqueçam o clima saudável das pornochanchas e as mulheres naturalmente gostosas dos filmes do David Cardoso. Esse sim um tempo bom, digno de uma novela inteira.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

“Cloverfield”, de Matt Reeves [E.U.A] (2008)

Não é a toa que J.J Abrams – produtor de LOST (creio que eu já não preciso dizer o que é LOST) - entende das coisas no ramo do entretenimento. Sua última brincadeira, chamada “Cloverfield”, já se pagou em bilheteria no primeiro fim de semana em cartaz. É mais um daqueles filmes com câmera subjetiva do estilo “personagem câmera-man” – a fórmula de “Bluxa de Blair”(1999), que emulou a fórmula de “Cannibal Holocaust” (1980). A diferença é que os dois filmes anteriores queriam passar a idéia de que o fato registrado realmente acontecera, causando respectivas polêmicas em suas determinadas épocas de lançamento – aliás, este é o grande trunfo do sucesso dos dois. Como ninguém mais acredita nisso, por que não criamos algo extremamente fantástico e mentiroso de uma vez para o personagem do filme gravar, não é verdade? Então...vamos colocar cinco jovens, um deles com uma câmera, enquanto um MONSTRO gigantesco destrói a cidade! Pronto, já posso pegar os meus milhões de dólares agora? No mundo competitivo de hoje, com filmes de idéias repetitivas ou recicladas saindo pelo ladrão, acho que o veredicto final para o aval da empreitada foi : “Filmes de monstros são legais, mermão!”. Senta, chame o Guioday para lhe transformar num gigante de 50 metros, que lá vem a história:


Sim, mais uma vez a cidade de Nova York é destruída por alguma ameaça. Ainda bem que estes filmes não influenciam ninguém.


O filme começa com aquela velha premissa de que o material que vamos assistir foi encontrado e tal. No caso, faz parte dos arquivos do departamento de segurança do governo americano: “as imagens foram registradas num cartão SD de uma câmera ultimo modelo da Sony Cybershot Anti-Monstro 10 megapixel...encontrada no lugar onde um dia foi o Central Park...” – e muita gente sabe que quando isso acontece não devemos torcer por nenhum dos personagens porque, historicamente nos filmes de “personagem câmera-man”, ninguém precisa sobreviver pra contar a história. Isso é uma lei, além de ser a própria razão que dá origem a este controverso gênero cinematográfico. Eu soube que pessoas estavam passando mal e vomitando durante as sessões “deve ser por conta das cenas de correria e tensão, afinal, não é todo dia que um monstro destrói a cidade de NY, se fosse Tókio, vá lá...” pensei eu. No entanto, a parte que realmente acredito causar náuseas é o início, quando o filme parece um desses reality-shows genéricos do tipo “MTV na Real”: Rob possui sexualmente Beth, uma amiga por quem é apaixonado desde a infância, poucos dias antes de partir para o Japão. Seu irmão Jason e a namorada Lily organizam uma festa de despedida para ele. Hud fica encarregado de filmar o evento e entrevistar os amigos, mas está mais interessado em Marlena, uma moça que adora tomar uns goró. Beth aparece com um cara na festa, o que deixa Rob muito emputecido e exigindo explicações. Ela vai embora tristonha e enquanto Hud e sua câmera espalha pra todo mundo que os dois "descabelaram o palhaço". Tirando Beth, que foi embora da festa, neste trecho temos os cinco jovens pra começar a trama... e a esta altura, eu já estava contando os segundos para o MONSTRO aparecer logo e tocar o terror nessa porra toda!


"GROOOAAAARRRR!!"...porque não é de hoje que monstros gigantes comandam "peso" no quesito destruição de megalópoles.


Um tremor de terra é a deixa. Depois disso, segure-se na cadeira e prepare-se para ter reações conforme os realizadores do filme pensaram – ou pelo menos, algumas, ora vamos, é um filme de monstro, se você quisesse ver Godard nem entraria no cinema. Mas não pense que será fácil, ou rápido ver o personagem principal em toda sua magnitude, porque a câmera é uma dessas de filmar churrasco no domingo, além disso, o cara tá tentando sobreviver à nuvem de poeira, paredes desabando, mísseis, pedaços da estátua da liberdade e outros obstáculos. Enquanto os cinco tentam sair da cidade no meio do caos que ela se tornou, questiona-se sobre o que é a ameaça, qual a natureza do bicho: se é alienígena, criatura pré-histórica escondida, se saiu de uma fenda marinha...enfim, você também vai pensar em alguma coisa. A minha, no outro dia, foi em torno de H.P Lovecraft e toda aquela onda sobre o “Cthulhu” – um monstro sinistro do universo sinistro do autor – sei lá, quem sabe até do ramo sobrenatural: o exército gasta quase todo o arsenal de Bush e nada do trololó tombar. Acredito que o filme perde uma grande porcentagem de intenção se assistido fora do cinema: a idéia é que você esteja lá, no meio da esculhambação, e com o som mais porrada que puder. Tem seus momentos bacanas, como a cena do metrô, mas no final de tudo...é impossível não sentir a leve brisa de picaretagem no ar. Como é de praxe nestes filmes de fitas encontradas que registraram a história as informações adquiridas durante a sessão não são satisfatórias. É aí que você engole a pílula vermelha da matrix e percebe que em matéria de descolar um troco esses caras são tão bons quanto monstros em destruir cidades. A descoberta de que “Cloverfield” é apenas a ponta do iceberg, o pontapé inicial, ou qualquer outra expressão equivalente é certa: o filme é um referencial para se desenvolver mais de trocentas histórias sobre antes, durante e depois do acontecimento: aquelas do estilo “o monstro foi criado pelos russos durante a guerra fria...” ou então “o ataque do monstro pela visão de uma equipe de filmes pornográficos” ou ainda “os sobreviventes foram para uma ilha onde acontece mais coisas estranhas”. Sem falar nas teorias, discussões sci-fi, jogos de videogames, bugigangas, comunidades do orkut [“Cloverfield, eu fui”], o que vier...


Além de visão noturna, redutor de olhos vermelhos e lanterna embutida, a câmera é à prova de monstros e armas nucleares. E é claro que está imagem não existe no filme, seu besta, senão não seria um legítimo do gênero “personagem câmera-man”.