quinta-feira, 15 de setembro de 2005

No meio do caminho havia um gato, havia um gato no meio do caminho

Noel, logo após ter engolido um diamante de 24 quilates. Desapareceu um dia sem mais nem menos antes de fazer suas necessidades pela última vez. Eu continuo por aqui...e pobre.


"O que os gatos possuem é uma audibilidade seletiva, eles podem escolher o que querem escutar. Ao contrário do que muitos possam pensar, eles não têm uma boa visão. Quando são surpreendidos por uma luz intensa, um farol de carro por exemplo, eles ficam parados e vão para o primeiro lugar mais escuro que a luz que encontram. No caso, pra debaixo do veículo."

O trecho é de um professor de física que tive em 1997, no terceiro ano colegial. Aquela foi uma boa noite para me lembrar daquilo. Eu vi gatinhos brincando na rua, serelepes ao sereno como crianças no parque com o sol lá no alto. Lembrei do rapaz que vi com um gatinho rajado nos braços e das palavras da namorada, sobre ele ser uma pessoa especial, já que poucas pessoas gostavam realmente de gatos, certamente por serem individualistas, parecendo os humanos.

Mas nada disso me fizera lembrar ainda das palavras do professor, como as próprias palavras do professor. Eu já havia me despedido da namorada e ia para casa naquela noite. No caminho, agradeci que a namorada não tivesse vindo comigo.
Eu, no meio da extensão da rua e o gatinho no meio da largura da pista. O pequeno vinha em direção à calçada quando a intensa luz o surpreendeu. Exatamente como o professor descreveu, ele ficou ali parado, imóvel num instante que parecia durar uma eternidade. A única diferença das palavras do professor, é que não tive certeza se foi o gato que foi para debaixo do carro, ou o carro que o engoliu para debaixo dele.

Nenhum som. Pelo menos, não o ouvi. Apenas, esperançoso, pensei que assim que o veículo tivesse terminado de percorrer seu próprio comprimento na pista, veria o gatinho intacto, sem um arranhão. Afinal, ele era pequenino, poderia passar por baixo sem se machucar. Além do mais, o carro não vinha rápido, vinha devagar, mais um motivo para eu não pensar em agravantes.

O veículo desceu a rua e eu pude avistar o bichano preto e branco. Que bom, ele se movia. Mas se movia em movimentos estranhos, na verdade, nem ele sabia quais eram. Na calçada, dois humanos atônitos, parados, viam a cena. Na pista, um amigo rajado o olhava em sua mais nova brincadeira...fazer movimentos rápidos e estranhos, enquanto o asfalto ia ficando molhado e escarlate.

Em nenhum momento eu parei de andar, como se quisesse me afastar o quanto antes do pequeno individualista que agonizava no meio da pista. Cheguei até a desviar os olhos num momento. Quando olhei para trás, o gatinho preto e branco - e vermelho - já não se movia, e o seu amigo rajado finalmente ficou parado e atônito, esperando o outro se levantar.

Ninguém mais na rua. Apesar de parecerem ter mais personalidade que outro animal doméstico, ou individualistas por natureza, as semelhanças com o ser humano terminara ali. Nenhum alarde, o motorista não parou - acho que nem viu, ninguém correu para socorrer, nenhum curioso a mais.

Terminara ali...apenas o seu amigo rajado, dois humanos parados e eu voltando para casa. Pensei nos gatos que tivemos em casa e desapareceram sem mais nem menos. Todos se foram, com suas características e trejeitos bem definidos.

Quando cheguei, o gato preto e branco de casa - por isso o chamam de Frajola - fitava-me como se dissesse:

"Bem, agora já sabes..."

E eu:

"Sei que és um rude Frajola, não és capaz de fazer um carinho sem interesse. Mas não desapareças sem deixar recado."

[Novembro de 2004]

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